No início do século 20, enquanto o mundo passava pela
Primeira Guerra Mundial, as duas mulheres se cercaram de prostituição e
assassinatos.
Para muitos moradores de al-Labban, em Alexandria, no Egito, o perfume de incensos era algo comum. Ainda mais se
passassem na frente da casa de Raya. A mulher era conhecida por essa prática e
sempre infestava sua rua com os mais diversos odores.
Não se imaginava, no entanto, que o motivo para todos
aqueles incensos era muito mais obscuro do que o rosto tranquilo da mulher
indicava. Em pouco tempo, descobriu-se que Raya e sua irmã, Sakina, estavam
envolvidas em uma história insólita.
As duas foram criadas pela mãe narcisista em um bairro pobre
no Alto Egito. Raya nasceu por volta de 1875 e Sakina veio na década seguinte.
As duas tiveram o gostinho das responsabilidades muito novas e, ainda
adolescentes, tinham que contribuir com a renda da casa.
De vez em quando, quando tinha vontade, a mãe trazia algum
dinheiro proveniente de roubos e pequenos furtos. Conforme o tempo passava,
assim ela decidia sair às ruas para saquear pessoas da alta burguesia, as
meninas iam com ela.
Com o dinheiro curto e poucas possibilidades de emprego,
Sakina começou a se prostituir. Em pouco tempo, no entanto, cansada com sua
vida miserável, ela se casou e mudou-se para a cidade de Tanta.
Entre idas e vindas, relacionamentos fracassados,
prostituição e uma internação por doenças venéreas, Sakina casou-se mais duas
vezes. O último casório, em 1916, foi com Muhammad ‘Abd al-’Al.
Nesse meio tempo, Raya continuava em casa. Ela se casou uma
vez e, quando o marido morreu, foi viver com seu cunhado, Hasab Allah — coisa
pouco comum na época. As duas, unidas novamente, decidiram começar a vida em
Alexandria, a Pérola do Mediterrâneo.
A origem das duas mulheres, no entanto, dificultou que elas
conseguissem um emprego comum. As irmãs eram consideradas Sa’idis, pessoas mais
pobres e com menos oportunidades que as naturais de Alexandria, por sua pele
mais escura e o sotaque acentuado.
Com essa discriminação e a Primeira Guerra Mundial
explodindo lá fora, as duas perceberam que sua melhor chance de conseguir
qualquer renda era através da prostituição. Assim, uma vez estabelecidas em
al-Labban, construíram um bordel.
As duas aproveitaram que um acampamento britânico ficava nas
proximidades e sabiam que os militares estariam loucos por bebida, drogas e
mulheres. Logo, o prostíbulo das irmãs — que funcionava em segredo — ficou
famoso e recebeu o apelido de O Acampamento.
Por três anos, as duas ganharam dinheiro fazendo as próprias
regras — já que seus maridos estavam servindo na guerra. As meninas que
trabalhavam com Raya e Sakina ganhavam tanto dinheiro que andavam pelas ruas
com largas pulseiras de ouro e colares de pedras.
Com o fim da Guerra, o mundo inteiro comemorou, menos as
duas irmãs. Para elas, o fim do conflito significava que os militares iriam
embora e o bordel cairia no esquecimento. E pior ainda: seus maridos voltariam
para casa e tentariam assumir o negócio.
Logo que os maridos colocaram as mãos no Acampamento, ele
foi fechado devido a seus tempos de clandestinidade. Raya e Sakina se aliaram a
Amina bint Mansur, a dona de um café com um acordo simples: enquanto Amina
vendia haxixe no primeiro andar, as irmãs tentavam atrair clientes para o
segundo.
Assim que esse segundo negócio também foi fechado, as irmãs
passaram a trabalhar em suas próprias casas. A essa altura, as prostitutas
viraram devedoras, já que o dinheiro era pouco e o acordo funcionava como uma
troca de serviços. Tudo isso enquanto impunham respeito na vizinhança, tendo o
apoio dos futuwwa, uma espécie de máfia da época.
Foi apenas no final de 1920 que os famosos incensos de Raya
começaram a chamar atenção de seus vizinhos. Não porque seu cheio era
enjoativo, mas porque eles já não desempenhavam seu papel direito. A polícia
começou a receber diversas queixas de um odor forte e pútrido vindo da casa da
irmã mais velha.
Um pouco longe dali, no início de novembro, um jovem chamado
Ahmad começava obras de esgoto na casa de sua tia, em Makoris. Enquanto cavava
o piso de um dos quartos, sua pá bateu em algo duro e, ao investigar melhor, se
deparou com um braço humano.
Quando a polícia chegou, Ahmad os informou que a antiga
moradora da casa chamava-se Sakina. Ela tinha sido despejada um mês antes.
Quase ao mesmo tempo, outros oficiais investigavam a fonte do odor na casa das
irmãs, em al-Labban. Debaixo das tábuas do assoalho, os oficiais encontraram
vários cadáveres enterrados.
Em seu testemunho, Sakina tentou mentir, como sempre fazia.
No entanto, em outra sala, Raya, ao saber que corpos foram encontrados em seu
quarto, assumiu todos os crimes e as duas irmãs foram presas. Ao todo,
dezessete cadáveres foram ligados as duas, incluindo corpos encontrados na
propriedade de Amina bint Mansur.
Os assassinatos
Durante muito tempo, imaginou-se que Raya e Sakina ceifavam
vidas por dinheiro e joias. Todavia, o o mais provável é que elas simplesmente
matavam quem fosse contra as opiniões de Raya, que era quem tomava as decisões.
O modus operandi da dupla era simples e contava com mais algumas ajudinhas.
Quando elas decidiam matar alguém, as irmãs davam à pessoa um cálice lotado
de vinho e drogas e contavam com a ajuda dos maridos e dos futuwwa. Uma pessoa
colocava um pano molhado na boca da mulher desacordada, duas seguravam seus
membros e a quarta estrangulava a vítima até a morte.
A partir das investigações e dos interrogatórios, o tribunal
determinou que a gangue era formada pelas duas irmãs, seus maridos e dois
futuwwa, chamados ‘Urabi Hassan e ‘Abd al-Raziq Yusuf. Em seu testemunho,
própria filha de Raya com Hasab testemunhou que, por vezes, viu seu pai
misturando um pó branco nas bebidas que oferecia aos visitantes.
O julgamento
Todos os envolvidos foram a julgamento em maio de 1921.
Depois de longas discussões sobre o destino que as duas teriam, o tribunal
chegou a uma decisão. Mesmo que nenhuma mulher tivesse recebido a pena de morte
anteriormente, seis delas foram proferidas no caso: para as duas irmãs, seus
maridos e os dois futuwwa.
Na manhã de 21 de dezembro e 1921, os policiais foram buscar
Sakina em sua cela. Quando ouviu sua sentença ser proferida, a mulher
vociferou: “Eu matei. Mas tudo bem, porque eu enganei o governo de al-Labban”.
Em seguida, enquanto era entregue ao carrasco, ela proferiu palavras que
ficariam marcadas em sua história: “Fiz coisas que nem mesmo homens são capazes
de fazer”.
De repente, mesmo depois de serem enforcadas, as duas irmãs
deixaram de ser assassinas e, aos olhos da população, viraram heroínas que iam
contra o sistema. Nos anos que se seguiam, as duas foram retratadas em peças,
filmes, livros e programas de TV. Hoje, no entanto, elas voltaram a representar
o medo dos egípcios e seus rostos voltaram a aterrorizar crianças.
A prisão das duas irmãs inflamou
diversas discussões morais no Egito. Enquanto muita gente pensava que elas
mostravam como a polícia não estava presente da forma que prometia estar,
outros problematizavam a independência feminina, dizendo que, caso as mulheres
não estivessem pelas ruas, trabalhando, elas não teriam caído nas garras de
Raya e Sakina.
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