Durante a primavera de 1884, um jovem australiano visitava a
Inglaterra quando colocou os olhos em um belo iate. Entusiasta da navegação,
ele decidiu comprar o Mignonette, mas queria que o barco fosse entregue em sua
casa na Austrália.
Como ainda estava longe de terminar a viagem, o jovem
contratou uma tripulação britânica para fazer o simples trajeto.
Assim, o capitão Dudley foi chamado e, confiante, ele recrutou sua equipe: o
imediato Stephens, o marinheiro Brooks e o jovem Parker.
Juntos, os quatro homens zarparam de Southampton no dia 19
de maio daquele mesmo ano. Mal sabiam os marinheiros, contudo, que aquela se
tornaria a viagem mais aterrorizante de suas vidas.
Tragédia marítima
Depois de 45 dias no mar, a tripulação já estava a cerca de
2 mil quilômetros da costa da África quando o iate foi atingido por um mar
revolto. Os ventos estavam fortes demais e, de repente, a embarcação virou no
dia 3 de julho.
Dudley e seus tripulantes tiveram pouco tempo para embarcar
no bote de madeira e recolher provisões antes que o Mignonette afundasse.
Muita da comida foi deixada no barco e os marinheiros se esqueceram do bem mais
valioso: a água.
Sem materiais de pesca, os quatro homens tiveram de racionar
a comida o máximo possível. Eventualmente, no entanto, a fome era tamanha que
eles começaram a pensar em alternativas para sobreviver.
Escolhas obscuras
No total, 18 dias se passaram até que, sem maiores
perspectivas de resgate, a tripulação decidiu pelo inimaginável. Elas
escolheriam alguém para sacrificar e, com o homem morto, se alimentariam de sua
carte.
Segundo os testemunhos posteriores do capitão, no entanto, a
escolha não foi tão aleatória quanto deveria ter sido. Naquele dia, após ter
bebido água contaminada do mar, o jovem Richard Parker estava com sua saúde
debilitada — além de não ter nenhuma família em terra que dependesse dele.
Dessa forma, não foi difícil selecioná-lo para o sacrifício
e, assim, ele foi assassinado. O marinheiro Brooks, todavia, não quis fazer
parte do homicídio e apenas assistiu enquanto o capitão e o imediato tiravam a
vida de Parker — ainda que os três tenham se alimentado com a carne do jovem
morto.
Entre os dias 26 e 17 de julho, quatro dias depois da
difícil decisão, um barco alemão apareceu. A tripulação desfalcada embarcou no
Montezuma e, por honra, fizeram questão de levar o que restava do corpo de
Parker consigo, para um enterro digno.
Logo que todos chegaram a Falmouth, entretanto, os
sobreviventes contaram sua história e, mais do que rapidamente, a polícia
interveio. Não demorou muito para que todos fossem acusados de matar Richard
Parker e ainda praticar canibalismo. Sob fiança, os três puderam aguardar o
julgamento livremente.
A corte britânica, contudo, declarou que Dudley e Stephens
eram culpados e os dois foram condenados à morte — a sentença, eventualmente,
foi comutada para seis meses de prisão. Brooks, por sua vez, foi absolvido de
todos os crimes.
Por fim, o episódio ficou conhecido como O Caso da
Tripulação Mignonette, um dos crimes mais horrendos e temidos pelo povo
britânico da época. Para todos, era terrível que os homens tivessem sobrevivido
através de algo tão feroz quanto o canibalismo.